segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

No Carnaval


O BLOCO ESTAVA NA RUA e ele andava por entre a multidão sentindo o calor dos corpos, o cheiro de suor e feromônios de pelo menos uma dúzia de mulheres lhe atraia como o imã atrai o ferro. O chapéu cobria-lhe os olhos lançando uma sombra que deixava dois pontos brilhantes aparecerem todas as vezes que avistava uma de suas escolhidas, que desaparecia por entre uma confusão de sons, corpos e cheiros reaparecendo logo depois. Vestia uma roupa branca, de pano fino que lhe caia confortavelmente pelo corpo, que apesar da sujeira que a multidão trazia com sigo, estava totalmente imaculada. Mostrava uma total indiferença por todos aqueles que lhe rodeavam alem de uma aparente insensibilidade pelos festejos, ficando marcante que ali não era seu lugar, mas nada daquilo tinha sido notado, ninguém o via nem sentia quando ele estava ao seu lado.  

- Cabelos de cobre.

Dizia ele para si mesmo, olhando em todas as direções norte, sul, leste, oeste. Seguiu a multidão que levantava por cima das cabeças uma caixa retangular de madeira revestida com lona preta e de aparência frágil. Uma cruz do mesmo material que compunha a caixa estava pregada em um de seus lados menores, um caixão improvisado. A cada vez que o fúnebre esquife era levantado, um corpo diferente estava dentro dele, sempre uma linda mulher. Aquilo satisfazia ao homem de roupa branca de tal forma que sentia ânsias de gargalhar no meio de todos os foliões, sabendo que não seria notado ou pelo menos que não dariam importância a mais um bêbado no meio de todos, simplesmente nem o escutando.

Tinha visto os cabelos flutuando por entre as pessoas que se aglomeravam na praça, procurou e ainda estava a procurar, sabia que não a perderia. A presença de algo novo, coisa muito rara para ele, o estava estimulando a prosseguir mesmo no meio de varias possibilidades tentadoras ao alcance de suas mãos. Aquele dia estaria perdido se não encontrasse o que tinha se proposto a conseguir. E justamente a encontrou em uma das vezes em que o esquife foi levantado. Lá estava ela e seus cabelos de cobre, aquilo o hesitou a ponte de querer avançar no mesmo momento e pegá-la nos braços. Tinha força para isso, sabia que podia, ninguém naquele lugar poderia impedi-lo, mas em vez disso resolveu esperar. A vil sorrir, gritar, levantar os braços para o céu e espernear, a vil descer do esquife e quase a perdeu novamente na multidão.

Não a conhecia, mas quando ela colocou os pés no chão e ele pode se aproximar. Toda a vida daquela mulher tão especial para ele, principalmente por sua aparência que a destacava de todos os outros, se tornou visível em sua mente. Compartilhou da alegria que Lara vivia naquele momento, Lara era o nome dela, agora ele sabia e não a perderia mais.

- Oi... 

Disse como se apenas aquela palavra revela-se todas as suas intenções. Lura se virou rapidamente, encontrando um robusto peitoral. Olhou para cima sentindo o desconforto habitual que tinha quando conversava com um homem mais alto o que na maioria das vezes acontecia, pois era uma menina pequena. Desconforto logo substituído por um sorriso deslumbrado, pois o que vil era o que tinha sonhado durante sua curta vida de dezesseis anos de idade. Deste que soube diferenciar o que era o homem ideal e o homem real, pois aquele rapaz não era real, não podia ser, mas estava ali. Não dizendo mais nada, ele pegou a mão esquerda de Lara e a cobrindo com suas mãos, levou calmamente a menina para de baixo das árvores da praça e fez com que ela se sentasse em um dos vários bancos de pedra. Lara não se controlava sobre seus pés, a partir do momento em que ele tocou suas mãos, estava perdida para sempre. Lara não pensava, só sabia sorrir para as mãos que a seguravam, acalmavam e a impediam de formar qualquer idéia coerente. Ninguém os via, pois a sombra das árvores pareceu aumentar a partir do momento que os dois foram engolidos por elas e se alguém os chegasse a notar, se sentiria incomodado e desviaria prontamente o olhar para não importunar o aparente casal de namorados. Foi justamente o que aconteceu, um garoto com seus vinte anos, vil os dois e tentou focar sua atenção no casal, mas desviou olhar e não quis saber mais daquilo, pois se interessava por Lara e se magoou por vê-la com outro homem.  

 - Você é o homem que eu sempre esperei – disse ela, não sabendo perfeitamente o que dizia, ainda não acreditava no que via.

 Deixou-se beijar, quando ele se inclinou em direção ao seu rosto. Porem o beijo na boca tão esperado deste o curto momento em que ela o vira, mudou de direção e posou em sua rosada bochecha esquerda.   

 - Durma, durma para nunca mais voltar.


 Ele cochichou depois do esperado espanto de Lara que fechando os olhos deixou-se escorregar do banco em direção ao chão de terra da praça. Porem o homem de branco foi mais rápido e a sustentou só assim a beijando longamente sob os lábios. Lara foi perdendo a cor, como se a pouca luz que caia sobre os dois a estivesse deixando aos poucos, seu corpo foi envolvido por uma leve nevoa branca que a cobriu totalmente e a absolveu deixando apenas o homem misterioso ajoelhado em frente ao banco.

***


Possui vários nomes, muitos dos quais não o definiam totalmente e tantos outros que o confundiam com alguns de seus irmãos. Mas, atualmente gostava de chamar a si próprio com o nome de Michael, porque lhe trazia belas recordações, era o que sempre dizia a algum igual que encontrasse pelo caminho.

Uma longa existência era apenas um privilégio para um homem como ele. Se é que poderia se definir assim, Michael era um deus que se criou do nada absoluto e um dia voltaria para o nada, mas se dependesse de Michael esse dia ainda estaria a milênios de distancia.


Como uma criatura sobrenatural, de acordo com as leis naturais criadas pelo homem, esse deus que teve um começo e inevitavelmente terá um fim, convive entre aqueles que o afastam simplesmente por acreditarem que não existe. Michael tira suas forças através do sacrifício de suas amadas, aquelas que por algum motivo se destacam por entre as multidões.   

*** 

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