quarta-feira, 18 de setembro de 2019

As Histórias do Mais Velho


Para que o que foi dito, nunca seja esquecido.

Quando era Criança


Ele não se referia a mim pelo nome. E nunca cheguei a perguntar o porquê, daquele costume, apesar de ter sido a pessoa que veio a me dar o nome que tenho. Para ele eu era apenas “o menino”, assim mesmo. “Ô menino... Vem cá”. Coisa que realmente fui naqueles tempos. Um garoto com menos de 10 anos e com a cabeça nas nuvens. Ele, o avô, o único familiar a me chamar assim quando criança. Também, logo depois, quando adulto. Me apresentou as histórias que hoje carrego comigo. E por sua causa conheci o pai de seu pai, meu tataravô. Parente que apesar de não ter a oportunidade de encontrar pessoalmente, pois já havia falecido antes de meu nascimento, acabou como se em alguns momentos, estivesse presente entre nós.

A lembrança, que talvez já tivesse deixado de lado por alguns anos, foi desperta pela folha de papel A4. Ela estava guardada numa das inúmeras caixas de fotos, boletins escolares pontilhados com algumas notas em vermelho, diversos papeis esquecidos e a natural cobertura de poeira sobre a tampa do papelão. Tudo isso se encontrava dentro de um guarda-roupa que já não era aberto fazia algum tempo. A folha mostra cinco gerações desenhadas a lápis de cor na moda dos bonequinhos de palito. Apesar dos acontecimentos lembrados, pelo desenho, só contarem com dois desses cinco homens. Os outros três também estavam presentes. Mesmo que um desses três estivesse apenas nas palavras e lembranças do mais velho, naquela varanda à noite, e os outros dois restantes unindo o menino, que era eu, ao avô e tataravô.

Naqueles tempos ele ficava sentado em seu banco, perto do fogão a lenha usado em reuniões de família nas noites frescas de minha infância, com os familiares em volta. Os adultos e as crianças, cada grupo em seu mundo de conversas ou preocupações. E o mais velho, vez ou outra, dividindo a atenção dos dois. Em alguns dias meus primos estavam presentes, em outros não, mesmo assim era como se existisse apenas nós dois quando as histórias eram contadas. Eu e o homem de calças de tergal, chinelos e camisa de abotoar, entreaberta, bigodinho, cabelos com fios prateados e a pele acobreada e curtida pelos tempos da enxada.  

Esse senhor foi um contador de histórias que dava asas à imaginação dos netos. E apesar de essas histórias terem tido poucos momentos para serem contadas e se repetido algumas vezes, sempre com um detalhe a mais ou um ponto um pouco diferente. Ainda são lembradas por todos. Aquele mundo do mais velho era povoado com almas penadas e lobisomens. Além de possuir a realidade, ou não, da onça que se intrometeu no meio do caminho e do abraço fatal do tamanduá. Com tudo isso, até hoje fico me perguntando se o que ele contava aconteceu de verdade ou eram simplesmente coisas de sua cabeça. Pois, mesmo nas situações mais inacreditáveis, nos convencia com a certeza, que não admitia dúvidas, dos mais velhos. Misturando a realidade com a quase verdade e criando a vontade de escutar. “Mais um pouquinho, por favor.” Talvez, só por isso, elas tenham o gosto especial da dúvida e sobrevivam entre primos e primas. Gerando as perguntas que, quando menores, nós não tínhamos.

 No dia em que ele falou sobre o que aconteceu com seu avô, pela primeira vez, eu era a única criança naquela varanda. Com a imaginação a mil e o sono querendo chegar, mas ainda esquecido. Hoje tento imaginar se na época em que ele escutou aquela história, pela primeira vez, também tenha sido apenas um menino sonolento na luta contra o sono. E se as primeiras e melhores histórias são sempre contadas quando somos crianças ou se isso é um privilégio de poucos.

 “Menino, seu tataravô Manoel Gonçalves veio de Portugal quando criança. Lá pelos anos mil oitocentos e poucos, quando as coisas eram muito diferentes. E até o tempo corria de outra forma. Vieram para cá apenas ele, seus pais, e os costumes que trouxeram da terra. Sei que o vovô acreditava em lobisomem, coisa que realmente existe. Eu já vi e contei como isso aconteceu a você e seus primos. Mesmo assim não tenho medo, sou eu aqui e ele lá, é só não provocar. Mas seu tataravô morria de medo, talvez existissem mais desses bichos antigamente e ele precisasse percorrer a cavalo mais estradas desertas do que existem hoje. O vovô Manoel dizia que só bala de prata bastava para matar o cão. E mesmo assim me garantiu que nunca conheceu um homem com a coragem de tentar. Porque é impossível conseguir acertar um tiro em um bicho desses. E não se teria uma segunda tentativa. De qualquer forma, não tem pontaria que ajude, o cão se esquiva mesmo de bala.”

Naqueles dias meu tataravô morava em um povoado afastado do que era a cidade da época. Grandes extensões de mata e pasto, aqui e ali, eram uma das poucas coisas que se poderia ver a distância cortada por alguns morros. A horas de viagem eram contadas no meio dia as costas do cavalo. Onde se caminhava acompanhado a maior parte do tempo pelas cercas e moirões, mata-burros e porteiras. Percorrendo as estradas de chão batido, até a cidade mais próxima.

Manoel convivia com a rotina do retiro de leite e a criação de porcos, galos, patos e afins. Era um empregado de fazenda. Um empregado com sobrenome. Coisa que poucos tinham. Antes do começo do registro de nascimento obrigatório, quando a certidão de nascimento trazia apenas a informação do primeiro nome. E sobrenome era coisa de família rica e conhecida, coisa de valor. Apesar de no caso de Manoel não ser um nome de família. Pois seu pai era conhecido como Gonçalves, simplesmente por ser empregado dos Gonçalves. Então, assim, Manoel recebeu seu segundo nome que passou para seus filhos e netos. Uma herança de uma nova família.

Quando meu antepassado Manoel era vivo ainda existia a estrada de ferro que percorriam a região entre o estado do Rio de Janeiro e o de Minas Gerais. A simplicidade corria solta, os pensamentos eram outros e os comportamentos estranhamente os mesmo de hoje. Só que mais acobertados, como diria meu avô. Aqueles eram outros tempos, tempos de lampião aceso, de dormir e acordar cedo, da luz da lua e das estrelas mais acentuadas pela inexistência da iluminação de agora. As coisas eram mais claras, no preto e no branco, e o cheiro do fogão a lenha corria solto pelo ar.

 Vejo meu avô sorrindo, talvez satisfeito, por conseguir prender a minha atenção. E um pouquinho, até saudoso, lembrando de seu avô Manoel Gonçalves. Sorria e continuava com a história que tinha escutado de seu avô.

“O Gonçalves não tinha medo da vida, andava armado com sua espingarda presa ao cavalo, mas como se tratava ‘das coisas do diabo’, como ele mesmo dizia, era melhor se precaver de outras formas. E nas noites de lua cheia trancava muito bem as portas e janelas de casa, só abrindo no dia seguinte.”

Já um pouco crescido e focando nas palavras de meu avô. Fiquei pensando no que ele dizia sobre Manoel Gonçalves. Se Manoel afirmava com tanta certeza que não era possível acertar um tiro no cão. Era porque havia tentado e saído vivo. Talvez a partir desse dia, Manoel tenha começado a ter medo.

A varanda, iluminada por duas lâmpadas incandescentes, jogando sua luz amarelada sobre nossas cabeças, era tudo que existia naquele momento. Um ponto de luz na escuridão do terreiro. E o menino, que algum dia eu fui. Sentado no chão espantando o sono que cismava em chegar e querendo ter a vontade do adulto para ficar acordado até mais tarde escutando o final da história.

Olhava a toda hora para fora da varanda, com a sensação de acreditar ver algo na escuridão do terreiro, perto do poço artesiano. Algo como um enorme cão negro de olhos amarelos iguais a luz das lâmpadas. E incrivelmente aquilo que via não era assustador. O cão estava sentado tranquilamente no chão de terra batida, olhando fixamente para mim com uma curiosidade quase humana. Como se quisesse dizer alguma coisa importante e não pudesse. Ou se estivesse se perguntando se deveria ser dito. Não estava lá... É claro, não tínhamos cães naquela época, mas eu fantasiava tanto. Era como se ele pudesse chegar tão perto ao ponto de alcançar meu rosto e o lamber com sua língua vermelha e escorregadia.

E ao mesmo tempo, que a criatura criava vida no terreiro, meu avô continuava com sua história e me chamava de menino. Falando que Manoel costumava contar a todos que conhecia do dia quando foi perseguido pelo lobisomem. Meu avô não explicou o porquê de o Manoel não estar dentro de casa nesse dia, mas acredito que ele tivesse tido lá os seus motivos para ir a cavalo até a uma festa tão longe. Talvez meu tataravô Manoel não percebesse que aquela noite teria lua cheia. Ou, provavelmente tivesse um pouco de coragem para pensar que nada iria acontecer. E imagino que tenha considerado até a possibilidade de ver a mulher que viria a ser minha trisavó, e que pelo visto ele começava a cortejar naquela época, como algo que valesse o perigo que correu. Pois pelo que sei, alguns meses depois desses acontecimentos ele viria a se casar. Tenha tido ou não um motivo para ter feito o que fez. O fato é que a história aconteceu da forma como foi contada e motivos muitas vezes não são importantes para as coisas darem errado. Simplesmente a vida te leva a certos pontos em que os acontecimentos são inevitáveis.  

“Quando percebeu que a festa estava acabando e já era tarde da noite, passou a mão nas rédeas de seu cavalo e se pôs a galopar estrada a fora, fez o sinal da cruz na primeira encruzilhada, e se acalmou, seguindo o caminho de casa.”

“Sei que você não chegou a conhecer meu avô! Mas já te mostrei uma de suas fotos. Ele se vestia muito bem e usava aquela barba grande, que o vi poucas vezes sem ela.”

Manoel estava sozinho, se vestia com um terno impecável, todo ereto, empertigado. Em uma foto já encardida, desgastada pelo tempo e com alguns rasgos e amassados, mas ainda dava para ver vários detalhes. Inclusive a enorme barba que parecia ter orgulho de possuir. Em comparação ao bigode grisalho de meu avô e ao rosto raspado de meu pai, a barba de Manoel se destacava entre a família. Existiam outras fotos entre as quais ele estava ao lado de sua mulher, porém dessas imagens já não tenho lembranças.

Pelo que escutei dos acontecimentos daquela noite. Ele estava sozinho. Não muito diferente das outras noites normais em que tinha de percorrer o mesmo caminho, “Só eu e Deus! E melhor sozinho que mal acompanhado.” dizia ele, em seus ditados, a todos que perguntavam sobre suas andanças. A estrada era escura, mas iluminada pela lua. O caminho era tranquilo. Quando Manoel passou por um barranco perto da mata e com uma árvore inclinada, toda retorcida, quase caindo na estrada. Já começava a se lamentar de ter saído tão tarde da festa, desacompanhado, e ainda mais naquela noite maldita. Contou que chegou a arrepiar os cabelos da nuca, e aumentou o trote do cavalo, talvez imaginando mil assombrações pelo caminho.

No ponto mais escuro da estrada, onde as árvores escondiam a pouca luz da noite, seu cavalo começou a se assustar. Querendo sair em disparada e Manoel, puxava as rédeas, irritado com a montaria. Estava preocupado em ser jogado no chão e apresado para chegar a seu destino. Como por milagre conseguiu movimentar o cavalo por mais alguns metros, até que olhando para trás, pela primeira vez desde que saiu da festa. Viu o enorme cão negro parado no meio da estrada a poucos metros de distância. Pronto para dar um salto e se agarrar na traseira do cavalo. Ele descreveu o cachorro como um monstro do tamanho de um bezerro e com olhos que meteriam medo até ao diabo. De acordo com Manoel aquilo não poderia ser apenas um animal. O bicho lhe lembrava a um homem. E quando colocou os olhos na criatura, disse que teve a sensação de que a noite escureceu ainda mais. Pelo que imagino, meu tataravô não pensou duas vezes, no mesmo instante ele esporeou o cavalo que começou a correr levantando poeira pela estrada.

Perseguido por muito tempo, pelo que conta, os latidos a distância pareciam gritos que se aproximavam perigosamente de suas costas. Imagino que já pensava sentir o bafo quente da criatura. Manoel não deu oportunidade para que seu cavalo empacasse, castigou o animal com seu chicote. Quando já desistia de tudo e encomendava sua alma, conseguiu se livrar da criatura quando passou perto de uma Igreja. Um assobio cortou o ar, que esfriou na hora e o cavalo empacou novamente. Louco de desespero e quase morrendo do coração, pensando nas possibilidades de sobrevivência que teria se descesse do animal e saísse correndo por conta própria, Manoel respirou fundo e pulou do cavalo. Quando pôs os pés no chão foi se acalmando aos poucos. Já não havia mais os latidos assustadores. Respirou fundo mais algumas vezes e só depois de algum tempo de calmaria teve a coragem de olhar para trás e perceber que mais nada o perseguia.

Quanto mais a noite ia passando mais eu ficava com vontade de escutar meu avô, e com a pontada do desejo de ficar acordado até tarde se acabando e o sono ganhando. Ainda via o cachorro na escuridão da noite a poucos metros da luz das lâmpadas, só que agora ele estava deitado com as duas patas enormes juntas e a cabeça apoiada entre elas, continuava a me olhar, agora com os olhos entre entreabertos. Talvez tenha decidido que valesse a pena não me dizer nada do que tinha para ser dito. E a voz de meu avô passava em um ritmo lento e confortante. No final eu dormia sentado no chão de cimento e apoiado na parede da varanda. O cão negro no terreiro sumia com meu sono, talvez fosse apenas um sonho. No dia seguinte, como se fosse por mágica eu acordava em minha cama por de baixo dos cobertores e babando no travesseiro.






segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Cães e Gatos - Melhores contos



Os Melhores Contos de Cães e Gatos

(Flávio Moreira da Costa, Organização)


Uma reunião de textos e contos em que o foco principal da história são os nossos preferidos animais de estimação.


CÃES (21 Contos) – De todos, os que mais me agradam são: 


Buck, Jack London (Conta a relação de Buck com um de seus vários donos.)

Um trecho do livro “O Chamado da Selva” que também pode ser encontrado como: “O Apelo da Selva” ou “O Chamado da Floresta” 

Algumas ilustrações sobre o livro: 







Pinterest Pasta: Livros, Livros e mais livros

Lembranças de Zig, Rubem Braga (Crônica em que Rubem Braga se lembra de sua infância e de um de seus cães, chamado Zig.)

“O nome do cachorro era Zig; se em toda a cidade era conhecido como Zig Braga, isto apenas mostra como se identificou com o espírito da casa em que nasceu, viveu, mordeu, latiu, abanou o rabo e morreu.”

GATOS (22 Contos) – De todos os, que mais me agradam são:


O Gato de Botas, Charles Perraut (A história de um esperto gato falante e de como ele ajudou seu dono a enriquecer.)




O Gato Preto, Edgar Allan Poe (A vingança de um gato preto, que supera até a morte.)





Os Gatos de Uthar, H. P. Lovecraft (Uma maldição pra quem come o que não deve.)



quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Meu Assassino Predileto

Primeiro da serie de 8 livros
#Livro vindo de #Osasco (#RJ) para #RioPreto(#MG) / 21.07.2016 ENTREGA / Troca feita pelo #SKOOB
Agora nesse ano de 2016. Depois de assistir a todas as temporadas da serie de meu adorado psicopata. Vendo dezenas de vezes a fantástica abertura, que descreve a simples e inocente rotina de Dexter Morgan, nos lembrando atos de estrema violência e brutalidade. E de odiar o tão difamado final! Começo a ler os livro que deram origem a história. 
Segundo da serie de 8 livros
#Livro vindo de #Ibirá (#SP) para #RioPreto (#MG) / 05.08.2016 (ENTREGA) / Troca pelo #SKOOB

Vivo me perguntando de por que gostar tando de um assassino? 

Na verdade as pessoas me fazem mais essa pergunto do que eu a mim mesmo:

Gosto desse jogo de gato e rato, do mistério, de como as coisas irão se desenvolver até chegar ao seu ato final. 

Que na maioria das vezes vem com a vitória do "Mocinho". 

Gosto de saber quais serão as consequências para cada personagem, descobrir quem se arriscou de mais, perdendo um braço, uma perna ou até mesmo a própria vida. Ver oque há de diferente na ordem dos acontecimento do livro para a TV e no fim, descobrir qual prefiro mais. 

Mas oque me fascina?

É como a história é contada, ou melhor, quem conta a história. O próprio Dexter nos mostra seu mundo, oque sente, ou melhor oque não sente, como se vê. Tudo isso recheado com uma pitada de humor negro.  

Próxima leitura:

Terceiro da serie de 8 livros
#Livro vindo de #Pindamonhangaba (#SP) para#RioPreto (#MG) / 09.12.2016 (ENTREGA) / Troca pelo #SKOOB


Quarto da serie de 8 livros
#Livro vindo de #Pindamonhangaba (#SP) para#RioPreto (#MG) / 19.12.2016 (ENTREGA) / Troca pelo #SKOOB

domingo, 27 de março de 2016

A Pedra


Pode não parecer simples, não ter significado algum, apenas mais um dia que se passou e teve uma história diferente para contar. História que muitas vezes na visão de outra possa parecer idiota, sem importância, repetitiva e mesmo que seja verdade ficou marcada na memória de pelo menos um dos que a viveu. Pois se não, não estaria sendo escrita!

Eu a vejo como uma pedra, defini assim como ela é, tal como o poeta escreveu. Aquela que aparece no caminho e causou algum sentimento inesperado, marcante, bom, desconfortante, inesquecível. Assim que ela é, a pedra! Foi diferente e por mais que tente transformar em palavras o que realmente uma pessoa assim pode ser, estarei pecando por não poder dizer a realidade.

Nada de descrições, veja por você mesmo sua pedra a que pesa aí no terreno mole de seu coração... a minha já tem seu lugar marcado.


Pode parecer ruim colocar pedras em um lugar onde você deveria plantar alguma coisa, mas pense dessa forma: 

"Aqui nessa área com tantos metros quadrados construirei minha casa e o terreno bem que está precisando de uma sustentação."